"O país tem vindo a assistir placidamente ao definhamento dos
clubes de base local e regional - outrora estruturas essenciais para alimentar o sistema desportivo - que vão perdendo a sua vitalidade gravitando nos interstícios do associativismo, subsistindo não raras vezes devido ao relevante esforço das autarquias locais para evitar uma morte anunciada".
Em Portugal, o acesso dos diversos segmentos da população às práticas
desportivas informais e de lazer ativo tem vindo gradualmente a crescer,
embora mantendo índices de participação ainda longe dos desejáveis; mas é no
desporto de excelência que o confronto se apresenta mais desfavorável.
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Portugal tem um número diminuto de modalidades na primeira linha da alta
competição mundial e, nas que alcançam esse estatuto, o número de atletas é
igualmente diminuto. Os êxitos individuais em competições de primeira
grandeza (Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa) são
devidos, na sua maioria, a “exemplares únicos”, circunstancialmente
emergentes de contextos particulares e normalmente irrepetíveis, que não
refletem nem podem assegurar ao país um nível representativo estabilizado.
O número de atletas filiados nas federações desportivas não apresenta
crescimentos significativos e várias são as modalidades em que a tendência é
regressiva a números alcançados décadas atrás. Ou seja, ainda que a atividade
física desportiva informal ou de lazer ativo ilustre uma maior participação
quantitativa no espectro desportivo nacional, o desporto de excelência/alto
rendimento tem vindo a tornar-se de difícil sustentabilidade pontuado, aqui e
ali, pelo êxito ocasional de alguns excelentes atletas.
Tal só pode ser interpretado à luz de fatores de suporte (económicos,
financeiros, fiscais e organizacionais) que têm vindo a sofrer degradações
sucessivas, quer pelo distanciamento dos poderes públicos, quer pela
pulverização de entidades administrativas com competências sobrepostas que
legitimam um ambiente regulador excessivamente saturado e castrador das
autonomias associativas, quer ainda pela tomada de medidas manifestamente
lesivas deste segmento do desporto nacional.
Uma dimensão cultural deve também ser equacionada neste contexto, mas
novamente aqui, o papel das políticas desportivas nacionais é nuclear, em
especial no que releva a importância de uma educação física e desportiva nas
escolas e a sua interdependência com os níveis elementares do sistema
desportivo.
O país tem vindo a assistir placidamente ao definhamento dos clubes de base
local e regional - outrora estruturas essenciais para alimentar o sistema
desportivo - que vão perdendo a sua vitalidade gravitando nos interstícios do associativismo, subsistindo não raras vezes devido ao relevante esforço das
autarquias locais para evitar uma morte anunciada.
A estes sinais portadores de um futuro preocupante, que traduzem os nossos
indicadores de desenvolvimento desportivo no espaço europeu, acrescentamse
as dificuldades em encontrar dirigentes que queiram assumir (com gosto e
proficiência) a função de gestão e liderança de organizações desportivas.
Por outro lado, o quadro de carência generalizada ao nível das infraestruturas
de qualidade que “explicava” a modesta expressão do país no concerto
desportivo das nações foi razoavelmente alterado, sem que os ganhos
qualitativos tenham acompanhado esse enorme investimento.
Com efeito, muitos desses equipamentos estão subutilizados, quando não
mesmo inoperacionais, e não só porque tenham sido construídos com
propósitos majestáticos ou especulativos.
Na verdade, eles são a prova irrefutável de que as “políticas de pedras mortas”
são mais fáceis de prosseguir do que as “políticas de pedras vivas” que apostam
na promoção dos recursos humanos através de programas com objetivos bem
definidos e suscetíveis de mobilizar todos os atores potenciais: associações,
atletas, técnicos, dirigentes e famílias.
Muitos dos investimentos realizados foram-no sem uma clara visão da sua
justificação e sem um rigoroso estudo e definição estratégica do respetivo efeito
catalítico da prática e da qualidade da prática desportiva local, regional e
nacional.
Nos últimos anos, no quadro de uma expansão do parque desportivo nacional,
verificou-se a disseminação de estruturas e equipamentos oficialmente
classificados como Centros de Alto Rendimento (CARs), os quais, em diversos
casos, estão longe de reunir os requisitos necessários para uma oferta de
serviços nos termos anteriormente mencionados, vulgarizando e banalizando o
conceito de “alto rendimento”.
Complementarmente, a convergência de competências, nomeadamente com o
sistema científico nacional, tem sido deixada ao sabor de iniciativas pessoais ou
de reduzida repercussão global à escala nacional; ao livre arbítrio de um
praticante, de um treinador, de um clube ou de uma federação; à iniciativa de
um investigador, de um centro de investigação, ou de uma universidade.
O desporto, enquanto objeto de estudo e investigação científica, está longe dos
horizontes imediatos das políticas de Investigação e Desenvolvimento. É um
corpo estranho no Sistema Científico Nacional.
No desporto de alto rendimento de hoje, muito em especial no seio das grandes
potências desportivas, esta ligação é promovida, nutrida e supervisionada por
estruturas centrais que cuidam da efetiva transferência do conhecimento e da
respetiva valorização prática.
Também no que respeita aos recursos humanos a situação contém algo de
paradoxal. Assistimos a uma elevação considerável, qualitativa e quantitativa, da
formação de diversos quadros que interferem no apoio à preparação dos atletas,
bem como do suporte tecnológico que melhor permite identificar as
necessidades específicas de preparação e os respetivos vetores prioritários de
intervenção. O número de especialistas em diversas áreas da preparação
desportiva (medicina, fisiologia, nutrição, psicologia ou biomecânica) não tem
comparação com a diminuta presença que se registava anteriormente.
Com efeito, as universidades assumiram a formação superior em Desporto e
potenciaram a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico que a
sustenta, rompendo com reservas que perduraram ao longo de gerações; no
âmbito do desporto federado, a formação de treinadores impôs novos graus de
exigência, beneficiando ao mesmo tempo de formadores mais atualizados e de
formandos com níveis de instrução superiores ao que era comum verificar-se.
E, apesar de tudo isso, os resultados não confirmam, ainda, as expectativas que
seria lícito acalentar.
Trata-se manifestamente de um défice de sistema, devido à inexistência de
articulação entre os diversos agentes que não têm oportunidade de interferir
nos diferentes vetores do processo de preparação desportiva com as
competências que lhes são reconhecidas. Superá-lo implicará necessariamente
um compromisso do Estado que viabilize a ação concertada da tutela e das
instituições do Sistema Desportivo.
Referência especial é devida à falta de convergência sistémica entre o sistema
desportivo e o sistema escolar, quer nas condições de acesso à prática do
desporto, quer, ainda, nas de complementaridade das exigências de preparação
desportiva e escolar.
Num país com os mais baixos indicadores de participação desportiva da União
Europeia, quer no que respeita à prática regular em atividades físicas e desportivas, quer na mobilização para o associativismo desportivo, colocar o
desporto na agenda política ou conferir-lhe a reclamada relevância num quadro
programático para o desenvolvimento do país, à altura do seu contributo para
o crescimento económico e impacto social, encontrará inevitavelmente
inúmeros condicionalismos enquanto a formação das lideranças politicas,
empresarias e associativas se encontrar marcada por uma menorização e
desvalorização das atividades físicas e desportivas, desde as etapas iniciais do
seu processo educativo.
Há, pois, constrangimentos que precedem e sucedem a questão do
financiamento, geralmente colocada no centro de gravidade do sistema
desportivo nos termos de injeção de verbas provenientes do Orçamento de
Estado, em bom rigor cada vez mais dependente das receitas dos Jogos Sociais,
parte da qual é utilizada para suportar custos de estrutura da administração
central.
O financiamento é uma questão relevante, mas que não assegura por si só a
excelência desportiva de um país, como se pode deduzir da comprovada
superioridade olímpica de muitos países cujos indicadores económicos e sociais,
ou o seu índice de desenvolvimento humano, os situam abaixo dos valores que
Portugal apresenta.
Também aqui, o retorno do investimento financeiro dependerá, em grande
parte, da renovação organizacional que, cabendo decerto ao sistema desportivo
desenhar e implantar, exige dos órgãos de Governo central e local a
disponibilidade para assumir outras perspetivas não triviais sobre o desporto,
superando inércias burocráticas e intervenções avulsas e distanciadas, a favor
de estratégias devidamente articuladas, integradoras de esforços realmente
concatenados para a concretização de objetivos precisos, transformando
palavras em ações e ações em ambição indutora de mudança.
Fonte: Comité Olimpico de Portugal
Em próximos posts:Breve leitura do Desporto no Mundo Atual
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